O presidente Jair Bolsonaro utiliza muitos slogans e frases de efeito, uma delas se refere ? “libertação do Brasil dos ideologismos”. Há certo sentido em tal afirmação, desde que a mesma não seja vazia de efeito prático, o que efetivamente não tem ocorrido em seu governo.
A afirmação é ainda carregada de ambiguidade, uma vez que se pode entender de diferentes formas. No senso comum, costuma-se compreender ideologia como um conjunto de ideias, visão de mundo, de um determinado grupo. Uma outra percepção, objeto de debate entre diversos teóricos, está relacionada ao processo de dominação das sociedades, sendo a ideologia um instrumento de mascaramento da realidade.
As duas noções podem ser facilmente relacionadas, uma vez que a visão de mundo de determinados grupos falsifica a realidade, tornando não apenas a sociedade como um todo, mas grupos distintos presos em diferentes ilusões e interpretações sobre o mundo real.
O Estado brasileiro e qualquer força política que deseje conduzir um projeto para o país, necessitam evitar que falsificações da realidade objetiva conduzam os destinos da nação para caminhos estranhos aos interesses dessa.
Evidente que tal tarefa não é simples de ser executada, pois não há uma visão de mundo neutra, mas o desafio está justamente em separar o que é ciência, realizando sempre uma análise da realidade concreta, daquilo que se configura como achismos, desprovidos de relação com o mundo real.
Embora seja correto superar as amarras que as ideologias podem impor ao país, na medida em que desconsiderem as reais necessidades do povo brasileiro, o que o governo de Jair Bolsonaro faz ao utilizar repetidamente tal tema é pura e simples hipocrisia. Nesse caso, a ideologia que faz mal é a dos outros. Em menos de um mês de governo, o mesmo já impôs ao país inúmeras amarras ideológicas ? s custas do interesse nacional, da imagem e do papel desempenhado pelo Brasil no mundo.
Há pouca ciência e muita ideologia ao se proclamar o desejo de privatizar o máximo possível, de dar independência institucional ao Banco Central, de reduzir o papel do Estado nos rumos da economia nacional. De igual modo, há pouco mais que ideologia em defender o armamento da população como política de segurança pública.
A política de relações internacionais do país talvez nunca esteve tão presa ideologicamente ao se anunciar a mudança da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém; ao definir como diretriz, derrotar a ideologia da esquerda na América do Sul; ao interferir em um país vizinho, reconhecendo como presidente da Venezuela um líder oposicionista sem respaldo das urnas, dando ao Brasil um papel de mero gerenciador dos interesses dos Estados Unidos da América na região.
Para o Brasil reencontrar seu caminho na construção de uma sociedade mais justa e desenvolvida, será ainda mais necessário livrá-lo das amarras ideológicas, destacadamente das impostas pelo governo de Jair Bolsonaro.